Era comum nas ruas de Ibicaraí o bater de latas,
regado a palavrões, músicas de duplo sentido e um odor insuportável, mistura de
bebida alcoólica e urina. O responsável
por isso se chamava “Bistunta”, que significa “feito de qualquer jeito”. Muitos o aplaudiam e achavam engraçado aquele
quadro. Algumas pessoas postaram na internet, vídeos dele bêbado, falando
palavrões, como se isso fosse algo espetacular. Vi, um dia, em frente a minha casa, um grupo
de rapazes debochando e rindo daquela pessoa, achando engraçado tudo o que ele
fazia. Mas o quadro real era este: por várias vezes, vi José Raimundo, ainda
Bistunta, deitado ao relento, no frio, ou no sol, somente com um short fino a
cobrir sua pele.
Lembro-me de uma vez, sentado na poltrona da minha
casa, assistindo TV, quando Bistunta bateu na janela. Estava chovendo, fazendo
frio e quando abri a janela, me deparei com ele sujo, rasgado, mal cheiroso, e
pedindo para entrar. Fiz o que é de costume fazer: transferi a responsabilidade
para outra pessoa. Disse a ele: “Vá dormir ali, na varanda do vizinho!”. Ele me
disse: “Lá não! O vizinho não deixa! Deixa eu dormir na garagem!”. Insisti
dizendo “não”. Fui até a cozinha, peguei algo para ele comer e fechei a janela.
Naquela noite não consegui dormir, com a
interrogação: “Que espécie de cristianismo é o meu? Diante disso, o que Jesus faria? Transferir a responsabilidade ou fazer o que
tem que ser feito?”. Levantei da minha cama, orei ao Senhor, pedi perdão pelo
meu pecado e prometi a Deus que faria alguma coisa caso ele aparecesse
novamente.
Compartilhei a minha crise com um grupo de oração
da nossa Igreja, e nos reuníamos das 17h as 18h, orando diariamente por “Bistunta”
e também por outras situações difíceis da Igreja.
Um dia ele apareceu, sem fugir à regra: mal
cheiroso, com fome, largado ...
Dei banho, consegui roupas novas, fiz a barba,
cortei o cabelo. Almoçou e saiu. Isso aconteceu umas três vezes, esporadicamente.
Na última vez, me perguntou: “o que faço para
entrar na “lei de vocês”?”. Isso eu ouvi da boca de um homem que estava há 35
anos nas ruas e todos o consideravam como louco e sem recuperação.
Então lhe
falei do Plano de Salvação que há em Cristo Jesus, e perguntei: “Você quer
receber Jesus Cristo como seu Salvador pessoal?”. Ele me disse: “Sim!”. Almoçou
e marquei com ele que voltasse às 18h para irmos à Igreja. Confesso que um
pouco descrente, fui surpreendido por ele me aguardando em frente a minha casa,
às 17:45h. Isso aconteceu no dia 25 de
agosto de 2010.
Fomos à Igreja e algo me chamou a atenção: a
surpresa dele em estar na Igreja e a surpresa da Igreja por ele estar ali.
Diante disso, surgiu uma interrogação: “Onde
colocar José Raimundo?”.
Como resposta de oração, Deus já vinha trabalhando
no coração do irmão Genilton, com o desejo de “mergulhar” no trabalho de Ação
Social. Inicialmente, colocamos José Raimundo, em uma das dependências da
Igreja. Intensificou aí uma batalha espiritual quanto a uma legião de demônios
que habitavam em sua vida. Por muitas vezes, os demônios o usavam quebrando
vidro, garrafas térmicas, vestindo roupas sujas, defecando no quarto, urinando
na cama, rasgando a própria Bíblia que um diz foi recebida com carinho e cuidava
dela com muito zelo e destruindo presentes que lhe foram ofertados. Tudo isso
para que a Igreja desistisse do cuidado e intercessão por ele. Em uma dessas
vezes estava muito agressivo e findei quebrando o meu dedo anelar direito. Mas
isso “consertou” meu coração: aprendi que deveria tratá-lo com mais carinho e
paciência.
O tempo passou e o irmão Genilton Pimentel
intensificou seu trabalho rumo a realização do sonho: criar um Centro Social.
Hoje, o Centro Social está aberto há um ano e lá mora José Raimundo e outras
quatro pessoas.
Para a glória de Deus, hoje José Raimundo é uma
pessoa lúcida, útil, asseado, respeitador e sonhador. No último dia 13 de maio,
ele desceu às águas do batismo, segundo o ensinamento das Escrituras Sagradas,
ao som de sua música-tema: “Uma Nova história Deus tem pra mim” e mais tarde, cantou
com toda a Igreja “Quem pode livrar como
o Senhor?”.
Autor: Pr Hermervaldo Macedo Oliveira